Em meio à recessão, não são só os Estados e a União que estão quebrados. As prefeituras também fecharam as contas de 2015 à beira da falência. O Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF), divulgado nesta quinta-feira, 28, pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), recuou 7,5% ano passado em relação a 2014, atingindo 0,4432 ponto, o menor nível desde 2006. O IFGF varia de 0 e 1 (quanto mais perto de 1, melhor a situação fiscal do município) e sua série história começa em 2006.
Nos cálculos da Firjan, as prefeituras fecharam suas contas em 2015 com um déficit nominal (saldo negativo entre receitas e despesas, incluindo gastos com juros) de R$ 45,8 bilhões. A projeção da equipe de economistas da entidade empresarial é que esse rombo chegue a R$ 60 bilhões este ano.
O índice da Firjan sintetiza dados públicos sobre a capacidade de a prefeitura gerar receita própria, o peso dos gastos com pessoal, a capacidade de investir, a qualidade da gestão do caixa e o endividamento público.
Segundo o economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês, o grande vilão do desequilíbrio das contas das prefeituras foi o crescimento excessivo dos gastos com pessoal nos anos recentes de bonança na arrecadação, assim como no caso dos Estados. No domingo, o Estado mostrou que o gasto com pessoal nos governos estaduais cresceu em pelo menos R$ 100 bilhões de 2008 para cá.
Com a recessão, que se agravou em 2015, a receita com tributos está em queda livre. Para se ajustar, as prefeituras só conseguem cortar gastos com investimentos em asfaltamento de ruas, iluminação pública, limpeza e postos de saúde, serviços essenciais para o dia a dia dos moradores.
“Quando o PIB está crescendo, todo mundo está tomando banho no lago tranquilo. Quando o PIB, ou o nível da água do lado, desce, a gente vê quem está nadando pelado. O setor público como um todo está há anos nadando pelado”, compara Mercês.
No quadro geral, 87% dos municípios pesquisados têm IFGF abaixo de 0,6, com situações classificadas como “crítica” ou “difícil”. Apenas 23 cidades têm indicador acima de 0,8, nível considerado “excelente” pela Firjan.
Para o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, é preciso separar a crise em dimensões conjuntural e estrutural. A mais importante é a conjuntural, com a recessão derrubando as receitas com impostos, diz Veloso. A parte estrutural é o peso dos gastos com pessoal e Previdência e, segundo o economista, é mais grave nos governos estaduais do que nas prefeituras.
“A crise tem raízes estruturais, mas não assumiria essa dimensão se não fosse o lado conjuntural”, diz Velloso.
Os municípios são mais atingidos pelo lado conjuntural da crise porque sua receita, na maioria dos casos, depende de repasses de tributos arrecadados pelos Estados e pela União, como confirma o estudo da Firjan.
De acordo com Velloso, um agravante é que alguns dos tributos cobrados pelo governo federal e depois repartidos, como Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), são os mais afetados pela recessão. Os principais tributos cobrados pelas prefeituras, o Imposto sobre Serviços (ISS) e o IPTU, sobre propriedade, caem menos em épocas de economia encolhendo.
Apesar disso, essa arrecadação é insuficiente para arcar com a administração das cidades, como mostra o IFGF. O componente que mede a capacidade de gerar receita própria é o mais baixo dos cinco que formam o índice de Firjan.
Mercês, da Firjan, critica a criação de municípios, segundo ele excessiva, o que acaba elevando custos administrativos. “Se a cidade não tem capacidade de se sustentar com receitas próprias, por que foi criada?”, questiona Mercês.
Segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), foram criadas 1.446 cidades desde a Constituição de 1988, que reconhece os municípios como entes da federação. Na visão do presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, o problema da gestão pública nas prefeituras está na falta de equilíbrio no pacto federativo e não na quantidade de cidades ou no seu tamanho.
Ziulkoski ressalta que empresas e cidadãos geram produção e renda nas cidades, mas a maior parte dos tributos é cobrada pelo governo federal e pelos Estados, ainda que volte depois na forma de repasses. Segundo dados levantados pela CNM, do R$ 1,850 trilhão arrecadado em 2014, apenas 7%, ou R$ 125 bilhões, ficaram diretamente com as prefeituras.
“Dizem que as prefeituras vivem de mesada. É mentira. Quem vive de gigolô é a União”, afirma Ziulkoski. Para ele, somente um novo pacto federativo, com mais autonomia para as cidades, poderia resolver o problema.