Sítio Paleontológico de Itapipoca abrigou animais da megafauna

Eles chegavam a consumir 200 litros de água e 300 Kg de folhas por dia. Isso sugere que o clima no Sertão era diferente. Havia fartura hídrica e alimentar

A quantidade de fósseis encontrada no Sítio ultrapassa a casa das dezenas de milhares Tanques naturais que serviam de bebedouros para os grandes animais da megafauna ainda podem ser vistos em Itapipoca


Há quase seis décadas, os já falecidos paleontólogos fluminenses Carlos de Paula Couto e Fausto Luiz de Souza Cunha chegaram a Itapipoca para explorar uma área de 800 Km², em pleno Sertão, e que no futuro viria a ser reconhecido como um importante Sítio Paleontológico do Brasil.
Em fevereiro de 1961, os dois pesquisadores fizeram, oficialmente, a primeira descoberta científica do Sítio. Desde então, os avanços naquela região, que abrigou, há cerca de 30 mil anos, animais gigantescos, denominados de megafauna, foram exponenciais.
Esses animais, apontam os estudos, migraram na época da estiagem, há dezenas de milhares de anos, e encontraram, no Sertão cearense, água e comida em abundância. A descoberta da presença desses animais e de um ambiente completamente diferente do observado nos tempos atuais reverbera a existência de um local cujo valor científico é imensurável. O Pós-Doutorando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Celso Lira Ximenes, é um dos mais importantes paleontólogos a atuar no Sítio de Itapipoca. Com trabalhos iniciados há cerca de três décadas, o estudioso revela que o local pode explicar, inclusive, como se formou o que hoje conhecemos como semiárido cearense.
Qual a singularidade do Sítio Paleontológico de Itapipoca?
Sítios fossilíferos, independentemente da quantidade de fósseis e das espécies que são encontradas ali, sempre são muito importantes, pela própria raridade de se encontrar fósseis. Entretanto, em Itapipoca há uma combinação rara de fatores geológicos (rochas e sedimentos), geomorfológicos (relevo), hidrografia (sistemas fluviais), climáticos (chuvas orográficas) e ecológicos (vegetação e solo) que juntos propiciaram um paleoambiente (ambiente geologicamente antigo) propício para atrair os animais da megafauna para a região, pois o local lhes fornecia água e alimento. Também se tinha condições favoráveis para a acumulação dos restos mortais desses animais pré-históricos, o que resultou na concentração de uma grande quantidade tanto de peças fossilizadas (ossos, dentes e placas dérmicas), como de táxons ( unidade taxonômica) de animais.
Itapipoca abrigou animais gigantes da megafauna. Como imagina-se que eles foram extintos?
Itapipoca, até cerca de 10 mil anos, era um refúgio ecológico para os animais da megafauna, que encontravam água e alimento em grande quantidade na região. Era recursos suficientes para suprir grandes manadas de animais e seus predadores. A extinção da megafauna em Itapipoca é um evento continental, ou seja, aconteceu em toda a América do Sul, por onde esses animais se espalhavam. A causa exata ainda é um mistério para a Paleontologia, mas uma coisa é certa: a extinção veio porque mudaram as condições ambientais que possibilitavam esses animais viverem. No caso do Nordeste brasileiro e, consequentemente, em Itapipoca, a instalação do clima semiárido pode ter sido decisiva. Fica aqui uma lição geológica: mudanças climáticas extinguem fauna e flora.
O local possui quantos sítios paleontológicos?
Atualmente, temos catalogados sete sítios paleontológicos, que são denominados de Jirau, Lajinhas, João Cativo, Coelho, Pedra d' Água, Santa Rita e Lagoa do Osso (este último, no município vizinho de Tururu). Eles possuem áreas variadas e a delimitação correta está sendo revisada em uma nova cartografia paleontológica que estamos realizando. Porém, há outros sítios ainda não catalogados, distribuídos por uma área maior, que ainda estamos mapeando e que se distribuem por uma área geral de aproximadamente 800 Km², a qual batizamos de Vale da Megafauna de Itapipoca.
Quantos fósseis já foram encontrados e catalogados no Sítio?
A quantidade exata de peças fossilizadas já descobertas em Itapipoca é algo que jamais saberemos responder, pois, por mais de um século, muitos tanques naturais que continham grandes quantidades de fósseis foram desentulhados de maneira amadora e o seu conteúdo fossilífero foi levado por curiosos e a maior parte desse material se perdeu ao longo da história. Já a quantidade de fósseis encontrados a partir do momento do início de nossa pesquisa, em 1989, está na casa de dezenas de milhares. O acervo do Museu Pré-História de Itapipoca (Muphi) vai passar, em breve, por um projeto de atualização da catalogação e informatização do tombamento e então teremos um novo censo de fósseis. Mas podemos afirmar que está na casa de cinco mil peças.
O quão importante foi a criação do Museu de Pré-História de Itapipoca?
Os fósseis são Patrimônio da União, regulado e fiscalizado por uma legislação bastante rigorosa. Quando se coleta fósseis no Brasil, é preciso depositá-los em uma instituição de guarda do patrimônio científico, devidamente credenciada para tal, pois eles precisam ser protegidos e disponibilizados para pesquisas. Durante muito tempo, os fósseis de Itapipoca resgatados em escavações, ou mesmo em coletas esporádicas pelos camponeses, eram levados para instituições de fora do Município, tanto em Fortaleza, como em outros Estados, principalmente o Rio de Janeiro. A criação do Museu de Pré-História de Itapipoca proporcionou o fim dessa saída de fósseis do Município e estabeleceu um ambiente adequado para se desenvolver pesquisas e atividades turísticas e culturais, também para que a população do Município usufruísse diretamente do conhecimento produzido sobre eles e das benesses econômicas que o turismo proporciona.
As pesquisas ajudam a explicar a origem e desenvolvimento do clima semiárido no sertão cearense?
A origem desse clima semiárido, não só em Itapipoca, mas também em toda a Região Nordeste do Brasil, é a principal linha de investigação científica que temos hoje com os fósseis de megafauna do Município. Já sabemos que quando esses animais gigantes viveram, as condições ambientais no Nordeste eram muito diferentes das de hoje, ou seja, mais úmidas. Então, em algum momento na história geológica da região, houve uma grande mudança climática que instalou o ambiente semiárido que temos hoje. Assim, os fósseis de Itapipoca estão sendo usados para se encontrar o momento exato dessa transição, obtendo inclusive a datação do evento, o que pode contribuir muito com informações para se saber se as mudanças climáticas que estão acontecendo, hoje, no planeta Terra, é um fenômeno natural cíclico ou se está sendo causado pelas atividades humanas. Ou mesmo uma combinação dos dois.
Passadas seis décadas desde o início das pesquisas, quais são os próximos horizontes a explorar?
Estamos trabalhando em três frentes de pesquisa. Duas delas são grandes projetos científicos em andamento, em parcerias do Muphi com a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Com a Uerj, sob minha coordenação, estamos realizando o projeto Paleoecologia e Geocronologia dos depósitos fossilíferos da megafauna, do Quaternário da Região de Itapipoca, o qual visa obter dados sobre como era o clima em Itapipoca na época da megafauna e qual a idade do início do ambiente semiárido na região. Já com a Ufrj, estuda-se a origem bem como o desenvolvimento de tanques naturais no Nordeste do Brasil e os condicionantes geoambientais, o que é a maior campanha de investigação sobre a formação desses depósitos fossilíferos já realizada no Brasil. A terceira frente de pesquisa é focada na Geodiversidade e Paleodiversidade de Itapipoca para fins de Geoturismo, Divulgação Científica e Educação Patrimonial. Essa terceira frente tem como objetivo principal criar o primeiro Parque Paleontológico de Megafauna do Ceará, que em breve será anunciado, juntamente com a nova sede do Museu Pré-História de Itapipoca.

Diario do Nordeste

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