Lei anticrime abre espaço a acordo em casos de furto e estelionato

Operadores do Direito consideram que a norma tem avanço penal, ao permitir que infrações menos graves possam ter como sanções penas alternativas e desafogar o sistema prisional. Há, porém, ressalvas quanto a efeitos colaterais



Sancionada em dezembro, a lei anticrime tem dispositivos que podem ajudar a reduzir a população carcerária, ao permitir acordos com acusados por crimes não violentos e com penas mínimas inferiores a quatro anos, como furto e estelionato. Ela consolida mudanças propostas pelos ministros Alexandre de Moraes (do Supremo Tribunal Federal, o STF) e Sérgio Moro (da Justiça e Segurança Pública) em pacotes de prevenção e combate a crimes enviados ao Congresso Nacional em 2018 e no ano passado, respectivamente.
O acordo de não persecução penal, regulamentado na lei anticrime, fazia parte do projeto apresentado por uma comissão de juristas na Câmara presidida por Moraes. O texto foi incluído no relatório final do pacote anticrime pelos deputados federais que fizeram parte do grupo de trabalho encarregado de analisar e aperfeiçoar as sugestões de Moraes e Moro.
O acordo de não persecução penal permite ao Ministério Público negociar com réus que confessarem ter cometido infrações médias. Em troca, receberão penas como prestação de serviço comunitário ou pagamento de multa, por exemplo.
Para ser passível de acordo, o crime precisa ter pena mínima inferior a quatro anos, sem violência ou grave ameaça. Além de furto e estelionato, poderiam ser qualificariam delitos como apropriação indébita, evasão de divisas, gestão temerária, contrabando e corrupção, entre outros. Pela lei, porém, reincidentes e autores de crimes de violência doméstica ou familiar não poderiam ter acesso ao instrumento legal.
Pela regra aprovada, o acordo não poderá constar da certidão de antecedentes criminais, a menos que o réu tenha sido beneficiado por outro pacto do mesmo tipo nos cinco anos anteriores à infração. Se for cumprido integralmente, a punição será extinta. Especialistas veem o dispositivo como avanço penal, ao permitir que infrações menos graves possam ter como sanções penas alternativas.
"A não persecução nesses casos, com a imposição de uma série de condições a quem confessa o fato, como reparação do dano, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, oferece uma resposta jurídica adequada a esses crimes menos graves, assegurando os interesses das vítimas", argumenta o advogado Juliano Breda, presidente da Comissão Especial de Garantia do Direito de Defesa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Potencial
O acordo também é visto como um passo para reduzir a superlotação carcerária no País. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil tinha, em julho do ano passado, mais de 800 mil presos. O déficit estaria hoje em 303 mil vagas -a taxa de ocupação supera 171% -, segundo o último levantamento oficial.
A advogada Emília Malacarne também acredita no potencial de desafogo do sistema, mas vê como efeito colateral do pacto um potencial excesso de imputação por parte do Ministério Público. "Ou seja, para evitar que o réu tenha direito ao acordo, o promotor, que poderia oferecer uma denúncia por um fato só, como por corrupção, poderia enquadrar a conduta em vários delitos, como corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro", afirma.
Já para o também advogado Rogério Taffarello, a lei anticrime é um passo na direção correta, mas o Brasil ainda estaria na metade do caminho a trilhar. "A maioria das previsões em relação a acordos é acertada", afirma. "Estamos fazendo experimentos, o saldo é positivo, mas há problemas, e a gente vai continuar debatendo esses assuntos e discutindo o aprimoramento", conclui.

Diario do Nordeste

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