Acusados de tráfico de drogas, de sequestro e de assaltar banco. Saiba quem são alguns dos homens a serem beneficiados com alvarás de soltura
Dezenas de acusados de integrar uma facção criminosa paulista com atuação no Ceará podem voltar às ruas a qualquer momento. No último dia 22 de julho, a Justiça decidiu extinguir um processo com 219 denunciados, sendo, pelo menos, 138 presos. A reportagem do Diário do Nordeste apurou com exclusividade que dentre os presos a serem soltos há homens detidos em unidades de segurança máxima.
A decisão judicial se baseia em uma falha dos investigadores que, posteriormente, resultou na operação 'Aditum III', deflagrada pela Polícia Civil no ano de 2020. A Defensoria Pública do Ceará apontou para a busca ilegal realizada durante as diligências na residência de James Machado Cordeiro, o 'Simpson'. Na ocasião, o celular do suspeito foi apreendido e ele, segundo os policiais que fizeram a busca, teria autorizado que vistoriassem o conteúdo do aparelho.
Advogados de alguns dos acusados consideram a decisão do Judiciário acertada, devido a ilegalidade das provas. Eles destacam ainda que a permanência dos acusados na prisão durante quase dois anos, até que a ação fosse extinta, mostra um grande prejuízo financeiro ao Estado, já que, por mês, cada preso custa, em média, R$ 2.500, aos cofres públicos.
SUCESSÃO DE FALHAS
A partir de uma vistoria no celular de 'Simpson', os investigadores se depararam com um grupo de WhatsApp, com participação de 400 pessoas. Toda a troca de mensagens dentre os membros do grupo seria sobre uma 'facção criminosa', com informações, como: a 'data de batismo' e área de atuação de cada um dos integrantes, dentro do tráfico de drogas. Todas as pessoas que tiveram os nomes citados nas conversas passaram a ser alvos das autoridades.
A defesa de 'Simpson' recorreu: "não obstante a entrada injustificada no domicílio do réu, observa-se, ainda, que os policiais informaram que fizeram uma busca na residência e apreenderam um celular, momento em que teriam acessado o seu conteúdo e conseguido provas de que o réu possivelmente estaria envolvido com uma organização criminosa".
ABSOLVIÇÕES
O Poder Judiciário considerou a inexistência de prova válida que comprovasse os crimes de tráfico de drogas e organização criminosa, e entendeu que 'Simpson' precisava ser absolvido. Não demorou até que a decisão fosse estendida aos demais, posteriormente alvos da Polícia, quando deflagrada a operação.
"Diante de todo o contexto narrado, não é outra a conclusão, se não a que se mostram inadmissíveis as provas obtidas em violação às normas constitucionais (art. 157 do CPP), como no caso dos autos. Importante relembrar, ainda, a questão das provas ilícitas por derivação, que são aquelas provas que em si mesmas são lícitas, mas que foram captadas de forma ilícita. É a conhecida teoria dos “frutos da árvore envenenada”, segundo a qual o vício da planta se transmite a todos os seus frutos"
De acordo com o juiz da Vara de Delitos de Organizações Criminosas, "como os elementos que serviram de base para a denúncia foram os relatórios de extração de dados do celular apreendido, cuja ilicitude foi declarada judicialmente, a justa causa que autorizou o recebimento da exordial deixou de existir por fato superveniente".
A Polícia Civil do Estado do Ceará disse por nota que a Operação Aditum III ocorreu respeitando às normas do Código de Processo Penal.
"Importante destacar que a ação foi fundamental para a desarticulação da estrutura de uma organização criminosa e as capturas de seus integrantes envolvidos em homicídios, tráfico de drogas, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro no Estado", conforme a PCCE.
Só devem retornar à liberdade, os acusados que não tiverem demais mandados de prisão válidos contra si, em outros processos.
ANÁLISE DA PROVA
O Ministério Público do Ceará (MPCE) sustentou a versão que o processo não deveria ser anulado, porque "o caso comporta a aplicação da 'teoria da mancha da purgada', também conhecida como limitação dos vícios sanados, do nexo causal atenuado ou da tinta diluída".
"No caso dos autos, temos, de um lado, um processo que envolve 219 acusados, alguns presos, réus confessos e com instrução encerrada, que integram a principal facção criminosa do Brasil, cuja atuação já ultrapassou as nossas fronteiras; e, do outro lado, temos a sociedade cearense que poderá ser drasticamente atingida com o retorno às ruas de 219 membros do PCC (além do líder James), caso o processo venha a ser anulado. Não resta dúvida de que se dois princípios entrarem em rota de colisão, o de maior peso deve prevalecer em detrimento daquele que possua um menor peso", sustentou o Ministério Público.
Para o órgão acusatório, se houve autorização judicial, mesmo que posterior, para os policiais terem acesso completo aos dados telemáticos, isso eliminaria qualquer tipo de vício contido na prova original.
O magistrado não concordou com a pontuação. A decisão rejeita a acusação inicial formulada pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) e extingue o processo, sem análise do mérito. Ficou determinada a expedição de alvarás de soltura de prisão em favor dos acusados.
"Pude constatar que a denúncia tem como único fundamento os relatórios de extração de dados do telefone celular. Como a apreensão do celular foi ilícita, a extração dos dados nele contidos também é ilícita por derivação, haja vista que, tirando da cadeia de eventos a apreensão do celular, não haveria dados a serem extraídos, vale dizer, a ilicitude da apreensão conduz, obrigatoriamente, à ilicitude da extração dos dados do telefone móvel, aplicação clara da famosa teoria da "árvore dos frutos envenenados", cuja doutrina defende que todas as provas decorrentes de prova ilícita são contaminadas por esse vício"
VARA DE DELITOS DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Juiz
Os advogados Jader Aldrin Evangelista Marques e Raphaele Holanda Farrapo, que representaram o acusado Gilvan Silva de Oliveira, consideram que houve um grande prejuízo à sociedade cearense, "visto que um processo como este, para se iniciar, contou com um grande aparato policial". Conforme Jader e Raphaele, a implementação de um juiz de garantias "poderia ter evitado todo esse transtorno a todos que participaram deste deslinde processual".
Já Alexandre Sales, que também faz a defesa de um dos beneficiados com a decisão, concorda. Segundo o advogado, a ilegalidade poderia ter sido apurada ainda no início do tramite, se tivesse o juiz de garantias: "é complicado para o juiz normal. Ele autoriza a quebra de sigilo, autoriza a produção da prova e depois ele mesmo vai julgar. Perde a imparcialidade, porque passa a ser parte do processo", ressalta.
"Além de ter ocorrido diversas audiências, movimentando toda máquina pública do judiciário, advogados, defensores públicos, promotores de Justiça, juízes, desembargadores, ministros de Justiça. Cabe salientar que este processo teve início em 10.07.2020 com representação por mandado de prisão preventiva e busca e apreensão realizada pela DRACO CE. As prisões ocorreram em 27.08.2020, quando foi deflagrada a operação, permanecendo até hoje presos, aproximadamente 2 anos presos, com todos os custos da Estado com os presídios, além das famílias terem altos custos com advogados particulares e gastos para se dirigirem a defensoria pública, muitas das vezes sem condições para isso"
JADER ALDRIN E RAPHAELE HOLANDA
QUEM SÃO OS ACUSADOS
A reportagem do Diário do Nordeste apurou nomes de alguns dos denunciados, além de James, que foram beneficiados com a mais recente decisão por extinguir o processo. Dentre eles, há homens acusados por outros crimes, como assaltos a banco, sequestro e tráfico de drogas.
Diario do Nordeste