O presidente da Argentina, Alberto Fernández, fez a quarta visita ao Brasil em seis meses, na última segunda-feira (26/5), e tem colocado a agenda econômica em foco, além da histórica simpatia diplomática pelo mandatário brasileiro. Em meio à crise financeira que atinge o país, o argentino tenta costurar apoio internacional e pegar impulso na integração sul-americana para negociar a dívida externa.
O país vizinho convive, atualmente, com a terceira grande crise econômica nos últimos 40 anos de democracia. Com uma moeda que parece diluir nas mãos, os argentinos lutam contra a alta dívida externa, a desvalorização do peso e a falta de dólares, que ancoram a economia argentina e causam índices inflacionários sem precedentes.
O dólar, por exemplo, tem registrado recordes em comparação ao peso, moeda argentina. A inflação no país está 104% ao ano, maior percentual em 31 anos. O cenário é explicado por uma sucessão de fatos históricos impulsionados pela deterioração da cadeia de produção argentina em meio à pandemia de Covid-19, e uma seca histórica que afeta a agricultura do país vizinho.
Recentemente, o FMI se comprometeu com um programa de socorro ao país sul-americano que previa o pagamento de US$ 44 bilhões em 30 meses – tendo como contrapartida a adoção de medidas para combater a inflação. Até o fim do ano passado, haviam sido desembolsados US$ 23,5 bilhões. Desde a retomada da democracia na Argentina, em 1983, já houve 13 acordos com o FMI.
A crise econômica foi agravada pela seca severa que atinge o país, a maior dos últimos 60 anos, que levou a uma queda de 74% nos embarques de grãos em fevereiro.
A Argentina sofre há tempos com a desvalorização do peso e a “dolarização” de sua economia, além da falta de reservas internacionais.
“Eles não têm recursos suficientes para fazer frente às suas demandas”, afirma André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, ouvido pela reportagem do Metrópoles em maio. “Parte do processo inflacionário na Argentina deriva da desvalorização cambial, que, por sua vez, é consequência desse problema nas contas externas.”
As eleições presidenciais na Argentina, que acontecem em outubro, também estão no radar de preocupações do governo Lula. Impopular, o presidente Alberto Fernández decidiu não concorrer à reeleição, o que pulverizou ainda mais a coalizão governista.
Com a economia em frangalhos, o nome do deputado Javier Milei, líder populista de direita que se apresenta com um discurso “antissistema” – semelhante à retórica do ex-presidente Jair Bolsonaro –, vem ganhando força e aparece liderando algumas pesquisas. A Lula, não interessa a vitória de um “Bolsonaro argentino”.
Ajuda “política”
Na última segunda-feira (26/6), o presidente Lula explicou que os dois países estão trabalhando na criação de uma linha de financiamento “abrangente” das exportações brasileiras para o país vizinho. O petista também teceu críticas ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e citou o caso argentino durante a participação dele em cúpula financeira na França, na última semana.
Segundo Lula, as organizações financeiras globais precisam de “novos direcionamentos”. “Muitas vezes os bancos emprestam dinheiro e o dinheiro emprestado é o resultado da falência do Estado”, apontou.
Durante o discurso a outros chefes de Estado, ele citou o exemplo da Argentina: “Da forma mais irresponsável do mundo, o FMI emprestou 44 bilhões de dólares para um senhor que era presidente [referindo-se ao ex-presidente argentino Mauricio Macri]. Não se sabe o que ele fez com o dinheiro, e a Argentina está hoje em uma situação econômica muito difícil porque não tem dólar para pagar o FMI”.
Durante a visita de Fernández no início de maio, Lula prometeu ajudar, “politicamente”, o país vizinho a negociar sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a mudar o regulamento do Banco dos Brics, comandado atualmente pela ex-presidente brasileira Dilma Rousseff (PT), para que seja criado um fundo a fim de ajudar países parceiros do bloco, como a Argentina.
A pauta principal daquela reunião foi econômica. Lula queria propor a Fernández uma linha de crédito para que a Argentina compre produtos brasileiros. A ideia é que fosse criada uma espécie de “crédito de exportação”, um financiamento às empresas brasileiras que vendem para empresas argentinas que importam serviços e mercadorias do Brasil. O país vizinho está atrasando pagamentos a esses exportadores brasileiros.
Renegociação da dívida
Na última semana, Fernández pediu ao FMI o adiamento, para o dia 30 de junho, dos pagamentos de vencimentos da dívida que estavam programados para esta semana. A Argentina teria de pagar ao FMI US$ 2,7 bilhões nesta semana, montante correspondente ao empréstimo de US$ 44 bilhões concedidos pelo fundo ao país.
Segundo o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, o governo não conseguiu cumprir as metas de acumulação de reservas e diminuição do déficit fiscal por causa da forte seca no país, que afetou as exportações do setor agrícola.
Nos últimos meses, o governo Fernández vem negociando com o FMI o refinanciamento de pagamentos e a antecipação dos desembolsos previstos no atual programa de crédito. O objetivo era que o órgão liberasse pelo menos US$ 10 bilhões e modificasse as metas firmadas até então, aliviando algumas obrigações da Argentina.
Segundo informações da agência de notícias France-Presse, o Brasil e mais cinco países – Bolívia, Chile, Colômbia, México e Paraguai – pediram ao governo dos Estados Unidos que apoiasse a Argentina nas negociações com o FMI.
Balança comercial
O ministro Fernando Haddad também tem levado a pauta aos fóruns internacionais. Especialistas consultados pelo Metrópoles avaliam que interessa muito mais ao Brasil uma Argentina economicamente forte do que fraca, tanto por razões econômicas quanto políticas.
“É do interesse do Brasil que a economia da Argentina fique firme”, pontua o professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de Porto Alegre. “A economia brasileira também depende muito da economia argentina, sobretudo no campo das commodities”.
O país é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China e EUA. Em 2022, o Brasil teve um saldo positivo de US$ 2,2 bilhões na balança comercial com os argentinos.
“O problema da economia argentina não é apenas um problema que afeta o Brasil. Afeta também os outros parceiros do Mercosul e afeta outros parceiros externos. Acho que o governo brasileiro pode contribuir muito mais na construção de uma agenda positiva e propositiva para que saia da crise”, ressalta Uebel.
Além da preocupação econômica, dado que a Argentina é um dos principais parceiros econômicos do Brasil, existem interesses políticos na negociação pró-Argentina. O governo entende que interceder pelo vizinho junto ao FMI e a outros organismos internacionais permite ao Brasil a consolidar, perante o mundo, o protagonismo no continente.
“A capacidade de ajudar a Argentina na renegociação da dívida, via diplomacia, é um grande ativo político pra região, e o Brasil se credencia de fato como uma liderança regional” explica Pedro Feliú, professor de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
Outro ponto, de acordo com o professor, é que o Brasil se integrou economicamente ao país vizinho desde os anos 1990; portanto, uma cooperação econômica é um ponto chave para a balança comercial brasileira. “Interessa muito mais ao Brasil uma Argentina economicamente forte do que fraca”, ressalta Feliú.
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