Desde que efetivamente iniciaram os trabalhos na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), na primeira semana de fevereiro, os deputados estaduais aprovaram 72 projetos de lei elaborados na Casa. Desse total, nove em cada 10 projetos são homenagens e datas de conscientização.
O levantamento feito pelo Diário do Nordeste considera projetos de lei de autoria do parlamento estadual aprovados até a última quinta-feira (13). Desse montante, 66 são propostas de nomeação de equipamentos públicos, determinação de datas comemorativas ou reconhecimento de eventos ou tradições culturais.
Somam-se a isso duas propostas envolvendo remuneração: uma do salário do governador e outra dos servidores; além de uma matéria aprovada que tratou sobre o combate à violência de gênero. O texto passou a acrescentar em placas de combate à discriminação o telefone de órgãos públicos para denunciar atos de preconceito.
Outra matéria aprovada autoriza a Alece a comprar insumos para a montagem de cozinhas comunitárias. Por fim, completam a lista das seis matérias aprovadas pelos deputados que não envolvem homenagens um projeto de lei que proíbe empresas condenadas por trabalho análogo à escravidão de firmarem contrato com a administração pública e uma matéria que criou o Dossiê Mulher, um sistema que reúne estatísticas sobre as mulheres vítimas de violência.
Em média, essas matérias elaboradas pelos parlamentares e aprovadas levam, em média, 76 dias entre a leitura no expediente — que inicia o rito de tramitação — e a aprovação em plenário. Nesta quinta-feira (13), o presidente da Casa, o deputado Evandro Leitão (PDT), fez um balanço do trabalho dos parlamentares.
Entre os destaques, o pedetista celebrou a aprovação de uma das poucas propostas aprovadas que não trata de homenagens ou datas comemorativas. Evandro ressaltou a lei que autoriza a Assembleia a adquirir e distribuir insumos alimentares e equipamentos para cozinhas comunitárias. “Isso é uma ação pela qual quero parabenizar todos os deputados e deputadas por sua sensibilidade”, frisou.
PRIMEIRO SEMESTRE NO LEGISLATIVO DO CEARÁ
Líder do partido governista, o deputado estadual De Assis Diniz (PT) comenta que a aprovação majoritária dessas matérias menos “espinhosas” para a Casa são também parte de uma estratégia de “visibilidade e atuação”.
“Eu prefiro, na atuação do nosso mandato, buscar estruturar ciclos de visões sistêmicas e integradas da perspectiva do desenvolvimento das cadeias produtivas. Temos 21 cadeias produtivas que o Estado reconhece e trabalha, então nós estamos trabalhando em cima do fortalecimento para tornar política de estado e não de governo, isso cria um percurso mais longo porque acaba lá na comissão dos pareceres da Casa, como é mais complexo, os deputados precisam ter o estudo do conhecimento da matéria”DE ASSIS DINIZLíder do PT na Alece
Parlamentares da oposição, no entanto, são mais críticos sobre o trabalho da Casa no primeiro semestre. Sargento Reginauro, líder do União Brasil na Casa, é um deles. Para o parlamentar, há uma “baixa produção de fato propositiva para os interesses da população”.
“Tento fazer um mandato ao máximo propositivo, atendendo aos interesses da população cearense. Agora, de fato, há uma dificuldade e essa é a forma de se fazer política no Brasil, que precisa ser repensada, não podemos sequer penalizar só o meio político. A população precisa refletir sobre que tipo de político, qual é a qualidade dos políticos que ela está colocando dentro das casas legislativas”, pondera.
Uma das principais queixas do parlamentar está na diferença de tratamento de pautas enviadas pelo Executivo e aquelas propostas no próprio Legislativo.
“Tivemos projetos que não eram de interesse popular aprovados de forma majoritária na Casa e projetos que são de interesse popular que nem sequer tramitam. É uma forma inclusive de a gente avaliar bem como é que está o funcionamento das casas legislativas”SARGENTO REGINAUROLíder do União Brasil na Alece
PAUTA DO DIA
De fato, conforme o levantamento feito pelo Diário do Nordeste, algumas matérias que dominaram o debate público no primeiro semestre estão tramitando em um ritmo mais lento se comparadas àquelas enviadas pelo Executivo.
Entre os casos, estão duas propostas que tratam sobre o protocolo a ser adotado por estabelecimentos comerciais e órgãos públicos para proteger mulheres em situação de risco ou de violência física, psicológica, moral, patrimonial e sexual nas dependências de seus estabelecimentos.
Há matérias das deputadas Lia Gomes (PDT) — PL 156/2023 — e Jô Farias (PT) — PL 53/2023 — sobre o assunto, contudo, os dois projetos — ambos apresentados em fevereiro — já somam mais de quatro meses parados na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR).
Caso semelhante ocorre com o projeto de lei 41/2023, do deputado Carmelo Neto (PL), que trata sobre procedimentos a serem adotados por estabelecimentos de proteção de vítimas de crimes sexuais no Ceará.
Ainda na esteira do combate à violência de gênero, a deputada Larissa Gaspar (PT) apresentou o PL 47/2023, que trata do afastamento remunerado de servidoras estaduais vítimas de violência sexual ou em situação de violência doméstica e familiar. O texto, protocolado em fevereiro, está parado na CCJR desde então.
Ainda assim, a autora da matéria, que também é vice-líder do Governo Elmano, defende o ritmo de tramitação das pautas na Casa.
"Eu percebo que há uma tramitação célere aqui na Casa, todas as matérias apresentadas já são lidas de imediato, são colocadas no expediente da Assembleia, em seguida, dão sequência a sua tramitação nas comissões, percebo que as matérias não ficam travadas, mesmo aquelas que têm um debate maior em função de divergências políticas", defende.
Outro assunto que dominou o debate público, após denúncias de estupro praticado por um anestesista durante a realização de uma cesariana, foi a previsão em lei de que mulheres possam ter acompanhante em consultas e exames nos estabelecimentos públicos e privados de saúde. A matéria, que ainda não foi apreciada em plenário, é dos deputados Renato Roseno (Psol), Jô Farias e Júlio César Filho (PT).
RITMO DE TRAMITAÇÃO
Conforme mostrou o Diário do Nordeste do mês passado, o governador Elmano superou os ex-governadores Camilo Santana (PT) e Cid Gomes (PDT) em quantidade de matérias enviadas ao Legislativo estadual e aprovadas. À época, eram 35 projetos, a um mês do fim do semestre. A lista inclui temas polêmicos, como o aumento do ICMS, aquisição de empréstimos e mudança na estrutura administrativa do Estado.
Ainda assim, Elmano de Freitas conseguiu que suas mensagens fossem aprovadas, em média, 5 dias depois de enviá-las aos deputados. Um tempo 14 vezes menor que o enfrentado pelas propostas apresentadas pelos deputados — isso considerando apenas as aprovadas.
Em média, os 72 projetos de lei aprovados no Parlamento estadual levaram 76 dias entre a apresentação e a votação. Um dos fatores que garante essa celeridade às propostas enviadas pelo Executivo é o regime de urgência, usado pela base governista na Alece para acelerar a tramitação das matérias. Das 35 propostas enviadas por Elmano, 24 foram analisadas sob esse ritmo. Das 24 aprovadas, 11 chegaram e foram votadas no mesmo dia.
Essa inclusive é uma insatisfação emergente entre deputados. Além de Reginauro, o pedetista Cláudio Pinho, que compõe a ala oposicionista do partido, reclama da utilização constante do mecanismo.
“Será que tem alguma possibilidade de um parlamentar apresentar uma lei que realmente seja em benefício da população? Sou novato, estou aprendendo o parlamento, mas tenho visto que nós aqui, para legislar, é muito difícil porque tudo é inconstitucional, não pode aumentar a despesa e não pode conceder incentivo. Estamos muito espremidos na nossa atividade enquanto legislador”CLÁUDIO PINHOIntegrante da ala oposicionista do PDT
“Agora, se vier do Executivo, é aprovado no mesmo dia. Não tem nem muita discussão: ‘permaneçam como estão, aprovado’”, comenta o deputado em referência ao rito de votação na Casa.
Por outro lado, a vice-líder do Governo, Larissa Gaspar, exalta o trabalho de articulação.
"Considero um trabalho de articulação feito pelo Governo junto com a Assembleia, através da presidência, da liderança e da mesa diretora. É natural, nessa relação de interdependência entre os poderes, que haja esse diálogo para que as matérias possam tramitar, ser aprovadas e se reverterem em benefício para a população"LARISSA GASPAR (PT)Vice-líder do Governo Elmano
Procurado pela reportagem, o deputado Romeu Aldigueri (PDT), líder do Governo na Alece, justifica a aprovação majoritária de matérias sobre homenagens e datas de conscientização. O próprio parlamentar lidera — ao lado de Leonardo Pinheiro (PP) — o número de projetos de lei aprovados neste ano no Legislativo estadual. Ambos somam seis matérias, todas nomeando equipamentos públicos ou criando marcos no calendário oficial do Estado.
"As matérias dos parlamentares passam por várias comissões e as denominações, às vezes, são para obras que vão ser inauguradas e precisam ser nomeadas, como não colocar isso na prioridade?", argumenta Aldigueri.
PARA ALÉM DE LEGISLAR
O deputado Renato Roseno (Psol) avalia que o primeiro semestre, tanto no Estado quanto no País, foram de retomada e continuidade de políticas sociais, o que refletiu na atuação parlamentar. O deputado, inclusive, destacou outras atividades dos parlamentares além da produção de leis.
72é o total de projetos de lei de deputados aprovados na Alece no primeiro semestre
Conforme a Constituição do Estado do Ceará, é atribuição dos deputados “sustar os atos normativos emanados do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa”, além de fixar a “remuneração de seus membros” e também do governador e do(a) vice-governador(a).
Cabe ainda aos parlamentares “fiscalizar e controlar, diretamente, os atos do Poder Executivo” e “velar pela preservação de sua competência legislativa”. Entre as prerrogativas, está a possibilidade de fazer diligências pessoais e fiscalizar o trabalho dos órgãos públicos.
“Tivemos 13 reuniões da Comissão de Direitos Humanos, várias reuniões técnicas, 18 audiências públicas e seminários tratando de questões relativas à criança, adolescente, idoso, as questões da violência, da saúde mental dos policiais, da violência também cometida por agentes de estado, dos conflitos socioambientais, fomos a mais de 19 municípios, tivemos a atuação do escritório Frei Tito, que só neste ano chegou a 3.800 famílias, são 93 atendimentos realizados só neste primeiro semestre”RENATO ROSENO (PSOL)Deputado estadual
“Nosso comitê de prevenção à violência também está vinculado à Comissão de Direitos Humanos, que lançou a investigação de crimes violentos na cidade de Sobral, uma parceria com a Defensoria Pública do Estado e também a Secretaria de Direitos Humanos daquele município. Um tema que, pra nós, foi um destaque muito importante foi o da violência nas escolas, nós fizemos várias incidências junto à Secretaria de Segurança, Polícia Militar, Polícia Civil, a Seduc, para a criação de um protocolo específico sobre violência na escola”, acrescenta o parlamentar.
Diario do nordeste