Tramita no Senado Federal um projeto de Lei que busca extinguir o crime de vadiagem no Brasil, tipificado na Lei de Contravenções Penais de 1941. A proposta é relatada pela senadora cearense Augusta Brito (PT), que classifica a legislação como um mecanismo de perseguição histórica contra os mais pobres e as classes marginalizadas.
A lei em vigência há mais de 70 anos considera vadiagem "entregar-se habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita". A pena prevista para quem incorrer na prática varia de 15 dias a três meses de prisão.
O projeto está sendo analisado pela Comissão de Segurança Pública desde março deste ano e depende do aval da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania para ir a votação no plenário. O parecer final da relatora foi apresentado no último dia 6 de julho. No documento, Augusta Brito, que assumiu a vaga no Senado quando Camilo Santana foi nomeado ministro da educação, argumenta que o crime de vadiagem afronta a dignidade humana.
"A previsão da contravenção penal de 'vadiagem' serve apenas como fator de estigmatização de indivíduos que já estão, muitas vezes de forma involuntária, alijados da vida socioeconômica, desempregados e sem condições mínimas de viver de forma digna", discorreu a parlamentar no relatório.
A senadora destaca que a mudança na legislação é também uma forma de adequar o ordenamento jurídico à realidade econômica e social do País.
“A contravenção penal da 'vadiagem' não se mostra minimamente adequada, necessária nem proporcional, conforme análise da descrição típica, herança de uma época em que a polícia dos costumes era utilizada para perseguir e prender indivíduos já marginalizados pela sociedade”.
O autor do projeto, senador Fabiano Contarato (PT/ES), afirmou que a contravenção da vadiagem é um "resquício" do Estado Novo —período em que Getúlio Vargas governou o Brasil, entre os anos de 1937 a 1945— criado para criminalizar a desigualdade social e o desemprego.
“Trata-se de norma penal que promove a desigualdade e penaliza a pobreza que é, afinal, uma condição socioeconômica que demanda uma série de prestações estatais, desde a qualificação profissional até a assistência social”, argumentou o senador.
Contarato ainda apontou que a lei tem “forte componente racista” devido ao que chama de “generalidade” de termos usados na redação oficial, o que, na visão do parlamentar, autoriza a sua aplicação a partir de estereótipos e preconceitos. Segundo ela, a lei era utilizada para perseguir sambistas negros, especialmente na década de 1940.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS), não há histórico recente de aplicação da lei que pune o crime de vadiagem no Ceará. Em 2022 e 2023, nenhuma ocorrência foi registrada.
O Povo