Recentemente, o debate sobre a descriminalização da maconha voltou a ocupar lugar de destaque nas discussões políticas, sociais e de saúde pública no País, diante da retomada do julgamento sobre o porte da droga para consumo próprio. Iniciado em 2015, a votação foi retomada na última quarta-feira (2) e suspensa após o posicionamento do ministro Alexandre de Moraes, que votou a favor da liberação. Por enquanto, o placar é de 4 a 0. O relator, ministro Gilmar Mendes, pediu mais tempo para analisar os votos e estabelecer um “consenso básico” entre todas as ponderações.
A polêmica em torno dessa questão tem levantado argumentos tanto a favor quanto contra a mudança na legislação, entre especialistas. Para o médico psiquiatra e presidente da Associação Norte-rio-grandense de Psiquiatria, Ernane Pinheiro, legalizar a droga poderia gerar um aumento significativo do consumo, especialmente entre jovens e grupos vulneráveis. Pinheiro ressalta que, ao ampliar a disponibilidade da maconha, corre-se o risco de que mais pessoas experimentem e se tornem dependentes da substância, resultando em impactos negativos na saúde individual e coletiva.
“Podemos pegar como exemplos lugares como Canadá, alguns estados dos Estados Unidos, Portugal, Uruguai. Nesses lugares, começou-se a ter um consumo muito grande da droga porque as pessoas perdem a noção de que é algo grave. Passam a achar que é normal e aumentam o consumo. O tráfico aumentou em todos esses lugares em que houve a descriminalização. Outro fato importante é o aumento das doenças mentais. Além disso, o número de encarceramento também aumenta porque as pessoas passam a entrar em conflito com a lei”, opina.
O ministro Gilmar Mendes defende a declaração da inconstitucionalidade do artigo da Lei de Drogas, que versa sobre as penas para quem porta entorpecentes em geral. Para ele, a criminalização estigmatiza o usuário. Os ministros Fachin e Barroso acompanharam em parte, mas restringindo a descriminalização só para a maconha. Fachin propôs que a Corte estabeleça o porte de até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas como parâmetro para diferenciar consumo e tráfico. Moraes acompanhou essa vertente, avançando na proposta e sugeriu uma faixa de 25,99 a 62 gramas.
O STF julga a constitucionalidade de um dispositivo da lei que define como crime comprar, armazenar e transportar entorpecentes para uso pessoal. Embora seja considerado crime, o porte de drogas para consumo pessoal não leva à prisão. No julgamento, os ministros não vão tratar sobre a venda de drogas, que segue como ilegal. A pena para o tráfico de drogas varia de 5 a 20 anos de prisão.
Para Felipe Farias, ativista em defesa da cannabis medicinal e presidente da Associação Reconstruir, a descriminalização da maconha é uma medida importante para aprimorar a política de drogas no País. Ele acredita que a atual abordagem, baseada na repressão e criminalização, tem se mostrado ineficaz e contribuído para a superlotação do sistema carcerário, especialmente afetando comunidades marginalizadas.
“Quando eu não faço nenhum malefício a terceiros, não existe motivo de criminalizar essa pessoa. A gente defende o direito privativo dele de usar uma substância”, pontua. “O impacto é de que o policial vai de fato estar atuando para combater crimes, e não perder tempo com uma pessoa que está fazendo consumo pessoal numa praça, num evento. Existem prioridades e a polícia não pode perder tempo com isso porque não cabe a polícia investigar um consumo pessoal. A polícia vai ganhar tempo e ser mais eficaz onde ela é necessária, em relação ao tráfico e no combate a outros crimes”, complementa Farias.
O médico psiquiatra especialista em dependência química, Jair Farias de Oliveira, acredita que o foco deve estar em fortalecer a repressão ao tráfico de drogas e investir em programas de prevenção ao uso de substâncias ilícitas, visando conscientizar a população, sobretudo crianças e adolescentes. Para ele, a manutenção da maconha como substância ilegal é uma medida preventiva que busca dissuadir o consumo e proteger a sociedade de riscos de desenvolvimento de doenças da mente.
“O uso de maconha entre jovens é muito prejudicial. Sessenta gramas é muito? É. Se um adolescente começar a usar 60 gramas de maconha diariamente, ele vai ter uma perturbação. Isso favorece a um fator de risco para o aparecimento de doença mental, principalmente a esquizofrenia, mesmo sabendo que a esquizofrenia é uma doença multifatorial, genética, ambiental, psicológica, as teorias são as mais diversas”, comenta o profissional, que também dirige o Hospital Psiquiátrico Severino Lopes.
Reportagem completa na Tribuna do Norte