Ceará pode virar “semideserto” por conta de mudanças climáticas, alerta pesquisador do Inpe


 

Diante dos efeitos do El Niño, fenômeno climático que diminui a possibilidade de precipitação na Região Nordeste, cientistas e pesquisadores fazem alertas preocupantes para o Estado do Ceará. Segundo destacou Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ao OPINIÃO CE, o interior cearense pode virar um “semideserto” devido às mudanças climáticas abruptas que vêm sendo observadas. “Muita parte, não a zona costeira, vai se tornar semidesértica. A Amazônia pode desaparecer e a Caatinga também vai praticamente desaparecer”.

O El Niño atua por meio do aquecimento das águas do Oceano Pacífico, a oeste do Brasil. O efeito tem consequência no nível de precipitação sobre o território brasileiro, afetando o Nordeste com a diminuição do volume das chuvas. Ainda de acordo com Carlos Nobre, além do fenômeno climático que afeta a temperatura do Pacífico, outro fator também influencia no volume das precipitações. “Quando o Oceano Atlântico tropical ao norte do Equador está muito quente, a estação chuvosa vem em um fenômeno meteorológico que se chama Zona de Transferência Intertropical, em que a chuva não desce muito, há seca”, explicou.

Em 2023, o volume de chuva deve ultrapassar o valor médio anual esperado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), mas existe preocupação para os anos seguintes. Conforme Eduardo Sávio Rodrigues, presidente da Fundação, “as notícias não são boas para as famílias do campo”. A projeção de Carlos Nobre também não é otimista. Segundo ele, a expectativa é que o El Niño continue até “meados de 2024”. “O semiárido tem que estar muito preparado para uma seca intensa”, ressalta.

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Como afirmou Carlos Nobre, a temperatura vem sofrendo aumentos constantes. Até o ano passado, segundo ele, houve um acréscimo de 1,15° C em relação ao final do Século XIX. A preocupação para este e os próximos anos é ainda maior. “Neste ano, estamos batendo o recorde de aumento de temperatura. Atingiremos 1,3° C, e o limite do Acordo de Paris, de 1,5° C, nós vamos atingir até 2033 ou 2034 se continuarmos aumentando as emissões dos gases de efeito estufa”.

“Com 1,2° C ou 1,3° C, já aumentaram demais os efeitos extremos, como ondas de calor, chuvas extremas e secas. Imagina se nós passarmos muito [no aumento de temperatura]. É muito importante realmente reduzirmos as emissões dos gases de efeito estufa”.

VOLUME DAS PRECIPITAÇÕES NO CEARÁ POR ANO

Conforme dados da Funceme, o último El Niño que afetou intensamente o volume de chuvas no Ceará foi em 2012. No ano, o volume anual médio de chuva observado foi de 363.8 mm, uma redução de 54,6% da quantia média normal para os 12 meses do ano, de 800.6 mm. À época, as baixas no nível de precipitações duraram mais seis anos, até 2018.

Desde o começo do século, em 23 anos, o volume de chuva foi menor do que a média normal esperada em 13 deles. Para 2024, a expectativa é de que tenhamos outro ano com volume médio menor de precipitações. Confira o levantamento desde 2001:

  • 2001 – 577.9 (-27,8%);
  • 2002 – 820.4 (+2,5%);
  • 2003 – 837.9 (+4,7%);
  • 2004 – 1041.8 (+30,1%);
  • 2005 – 588.1 (-26,5%);
  • 2006 – 760.8 (-5%);
  • 2007 – 670.8 (-16,2%);
  • 2008 – 925.5 (+15,6%);
  • 2009 – 1218.5 (+52,2%);
  • 2010 – 537.6 (-32,8%);
  • 2011 – 997.6 (+24,6%);
  • 2012 – 363.8 (-54,6);
  • 2013 – 548.7 (-31,5%);
  • 2014 – 548.3 (-31,5%);
  • 2015 – 523.3 (-34,6%);
  • 2016 – 551.3 (-31,1%);
  • 2017 – 668.2 (-16,5%);
  • 2018 – 799.1 (-0,2%);
  • 2019 – 843.8 (+5,4%);
  • 2020 – 961 (+20%);
  • 2021 – 692 (-13,6%);
  • 2022 – 1010 (+26,2%);
  • 2023 – 800.1 (-0,1% – até agora).

NÚMERO DE QUEIMADAS PREOCUPA

Uma das consequências da diminuição do volume de chuvas são as queimadas. O último quadrimestre – setembro, outubro, novembro e dezembro – costuma ser o período em que mais há a ocorrência de queimadas, devido à diminuição de precipitações e intensificação da seca. Segundo o Corpo de Bombeiros Militares do Estado do Ceará (CBMCE), foram 5.603 ocorrências no Estado nos primeiros 10 meses de 2023. Ainda conforme o órgão de segurança pública, houve um crescimento no número de ocorrências de 46,82% em relação ao mesmo período no ano passado.

Do total, 1.757 incêndios foram registrados apenas em setembro, sendo o mês com mais atendimentos deste tipo nos últimos cinco anos. De acordo com o CBMCE, o número de ocorrências até outubro, neste ano, já ultrapassou o de 2022 por inteiro.

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Os dados do Corpo de Bombeiros são registrados de acordo com as denúncias feitas pela população. Um outro levantamento, do Inpe, mostra um total de 3.492 incêndios no Ceará. A pesquisa do Instituto analisa imagens de satélite. Segundo o órgão, o mês de setembro, por exemplo, teve 638 queimadas registradas no Estado, sendo o segundo da série histórica desde 1998 com mais queimadas no nono mês do ano, perdendo apenas para 2001, com 808. Outubro de 2023 apresentou o terceiro maior dado da série histórica, com 1969 registros de queimada, atrás apenas de 2003 (2465) e 2001 (2051). Em novembro, ainda no primeiro terço do mês, já foram registradas 340 queimadas no Estado.


Opniao CE

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