Responsável perante o poder Judiciário, pela defesa dos interesses da sociedade, o Ministério Público brasileiro não reflete a população brasileira na composição. Enquanto no Brasil, 56,1% de pessoas se autodenominam pretas e pardas, dentro do Ministério Público, apenas 6,5% são mulheres negras e 13,2% são homens negros, do total de membros que ingressaram nos últimos cinco anos.
Os dados são da pesquisa Perfil Étnico-Racial do Ministério Público brasileiro e acompanhamento de ações afirmativas do CNMP, realizada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O estudo foi apresentado nesta quinta-feira (23), durante o evento MPDFT Livre de Racismo, promovido pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), em referência ao Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.
Pesquisa Étnico-Racial
Mesmo sem alcançar a composição negra majoritária ou, pelo menos, o equilíbrio da representatividade negra, o levantamento aponta para um cenário de melhoria neste quesito em todos os ramos do Ministério Público.
Quando comparados membros e servidores com mais de 20 anos de serviço público e aqueles que têm até cinco anos a contar da posse, foi verificado o aumento superior a 40% na taxa de participação de pessoas negras, nas unidades da instituição, passando de 28,8% de participação de negros, entre os que têm mais de 20 anos de Ministério Público, para 38,1% entre os que ingressaram mais recentemente.
Em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público publicou a Resolução CNMP 170 com o objetivo de aumentar essa representatividade, partindo da reserva para pessoas negras de, no mínimo, 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos do CNMP e do Ministério Público, assim como o ingresso na carreira de membros dos órgãos. Mesmo assim, os percentuais ainda estão desproporcionais.
A promotora de Justiça do MPDFT e coordenadora dos Núcleos de Direitos Humanos (NDH)/ Núcleo de Enfrentamento à Discriminação (NED), Polyanna Silvares de Moraes Dias, confirma que é importante a diversidade racial nas instituições públicas. A promotora destacou que a instituição tem entre os objetivos a implementação de políticas internas que coíbam desigualdades e injustiças, além de tentar tornar o MPDFT um local livre de discriminações.
“A constatação científica sobre a disparidade entre o quantitativo da população negra em nosso país e o de mulheres e homens negros em locais de poder, notadamente como membros do Ministério Público brasileiro, aponta a urgência em debatermos e efetivarmos medidas que fortaleçam a inclusão, bem como que concretizem uma cultura de equidade racial dentro das instituições”, observou Polyanna Dias.
A pesquisa traz outras informações sobre o processo de seleção de estagiários; a inclusão do tema da promoção da igualdade racial nas atividades de formação inicial e continuada de membros e servidores; e a criação e a atuação de instâncias especializadas na promoção da igualdade étnico-racial em todas as unidades e ramos do Ministério Público.
O levantamento de dados para a pesquisa ocorreu entre outubro de 2022 e abril deste ano e envolveu as 26 unidades do Ministério Público nos estados e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), além do Ministério Público Federal (MPF), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Ministério Público Militar (MPM).
O Perfil Étnico-Racial do Ministério Público incluiu dados de membros, servidores e estagiários das instituições. Ao todo, foram recebidas informações de 83.992 pessoas.
MPDFT livre de Racismo
Nesta quinta-feira também, para o evento MPDFT livre de Racismo, foi convidada a doutora em Estudos Feministas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e consultora em políticas públicas na área de gênero e raça, Carla Akotirene. Por mais de duas horas, as pessoas presentes debateram o combate ao racismo institucional, sobretudo, nas unidades do ministério público.
Carla Akotirene entende que as audiências de custódia são verdadeiras salas que reproduzem a cena colonial de condenar a população negra. Ela denuncia também a prática criminosa de flagrante delito forjado por autoridades policiais. A consultora avalia como positiva a discussão fomentada pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT).
“Quando a promotoria se compromete a entender o funcionamento do racismo, a gente passa a ter mais confiança no combate ao encarceramento em massa”, avalia a pesquisadora baiana, Carla Akotirene.
A promotora de Justiça do MPDFT Polyanna Silvares de Moraes Dias destaca a necessidade de se engajar e, igualmente, levar os servidores a refletirem sobre o funcionamento do racismo na sociedade e torná-lo apto a reconhecer, criticar e combater atitudes racistas em seu cotidiano. “Nesta questão, a gente teve essa oportunidade de vivenciar essas experiências, de enriquecer o nosso repertório. Eu tenho um desafio interno e também tento levar para a nossa instituição a necessidade de letramento racial. Esse é o propósito do nosso encontro. Quando a gente vê uma sociedade, em que as pessoas negras são 54, 56% da população, mas as encarceradas são 70%, a gente tem que duvidar e questionar isso.”
Promotora e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT, Liz Elainne de Silvério e Oliveira Mendes enfatiza que é preciso rever o papel do promotor punitivista e acusatório, em respeito aos direitos humanos. “Hoje, queremos trazer essa nova visão de direito penal que envolve, sim, responsabilização, mas de uma forma mais negociada. Acima de tudo, valorizando a pessoa que foi vitimada, buscando reparações e, nem tanto, a punição com a privação da liberdade. Um olhar de segurança pública também voltado para a qualidade de vida e o respeito dos direitos humanos.”
Promoção de direitos
Na plateia do evento, a analista de serviço social do MPDFT, Carolina Varjão, aprovou a discussão promovida sobre racismo institucional. “Começamos a pensar em como é que a gente pode promover direitos dessa população negra, na nossa sociedade brasileira, que desde sempre foi marcada pelo sofrimento imposto pelo ocidente, pela Europa, à população africana que está aqui no Brasil em diáspora.”. Ela analista diz esperar que as discussões despertem a reflexão de servidores sobre discriminação. “Espero que tenha despertado também nos servidores e promotores brancos, para que sejam aliados de alguma forma, para que tenham essa crítica a respeito do seu privilégio de pessoa branca e que possam construir um ministério público com promotorias que garantam direitos”.
A psicóloga Cíntia Ciaralo veio exercer o ativismo negro, pois acha que é preciso mudar. “O sistema de justiça é extremamente embranquecido. A gente vê pelos atores. Talvez, seja uma pauta que precise de maior visibilidade. Quando a doutora Cátia Akotirene chama uma audiência de custódia de cena colonial, eu acho isso fantástico, porque haveria uma reprodução de uma memória que vai se estabelecendo nos próprios mecanismos da justiça”.
No mês da Consciência Negra, a agente fiscal no Conselho Regional de Serviços Social, Ana Gabriela Pereira, diz acreditar que os espaços de discussão e formação, como o promovido na sede do ministério público, são essenciais para a mudança de mentalidade e posicionamentos. “Os usuários dos nossos serviços são pessoas negras. Nós, assistentes sociais, lutamos por direitos para uma sociedade mais justa e isso inclui a gente estar nesses espaços de debate sobre o racismo. Sou à favor da luta antirracista e, por isso, ocupamos esses espaços. O debate sob a perspectiva da interseccionalidade, sobre o espaço da mulher negra dentro da sociedade e a discussão sobre as violações as quais ela sofre, são muito importantes para a gente”.
(Agência Brasil)