Com longa tradição de
avistamentos relatados, Brasil não tem nenhum órgão oficial de análise de
anomalias, como o recém-criado escritório dos EUA
Luiz Silva, de 69 anos,
estava em um bar de Santos, em 1986, quando um silêncio tomou conta do lugar. O
estabelecimento fica no alto de um pico, virado para o litoral. Naquela noite,
ele conta, todos viram o momento em que um objeto do tamanho de um ônibus de
dois andares riscou o céu em altíssima velocidade, iluminado por luzes
vermelhas em direção ao continente. Foi o assunto da festa. Para ele, não havia
dúvidas: eram seres de outro mundo.
— Foi o assunto da noite. Eu
já acreditava, mas esse dia me deu certeza — lembra.
Aquele momento marcou a
história da ufologia mundial. A chamada “Noite Oficial dos Óvnis” seria o caso
com maior número de testemunhas da ufologia no planeta Terra (de outros, não
temos notícia… ainda) e virou assunto no país todo com pelo menos 50 aparições
em dez estados, caças da Aeronáutica correndo, em vão, atrás dos objetos
voadores não identificados e até uma coletiva de imprensa dos militares em que
explicaram que não tinham explicação para o que aconteceu.
— Vinte e um desses óvnis
foram captados por radares da Força Aérea Brasileira. Oficialmente, cinco caças
decolaram para tentar identificar esses objetos, mas hoje sabemos que outros
caças e um helicóptero da FAB também se envolveram — diz Jackson Camargo,
gestor em tecnologia da Informação, ufólogo influente no país e autor de “Noite
Oficial dos óvnis”. — O Brasil é um dos países com maior índice de avistamentos
registrados anualmente. Aqui ocorrem casos dos mais diversos tipos, muitos
deles com comprovações visuais, físicas, fisiológicas e eletromagnéticas e
grande quantidade de testemunhas.
Nos últimos meses, Sean
Kirkpatrick, diretor do Escritório de Resolução de Anomalias de Todos os
Domínios (AARO), da Nasa, vem divulgando nos EUA descobertas do órgão, criado
em junho do ano passado para rastrear objetos não identificados no céu. Em
artigo de março, ele afirmou que naves alienígenas podem ter visitado o sistema
solar e liberado sondas.
Aeronáutica, Agência
Espacial Brasileira e Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais informaram não
possuir órgão com função semelhante ao AARO dentro da burocracia estatal
brasileira. Os militares até registram avistamentos de óvnis relatados. Há,
inclusive, um formulário específico para esses relatos. Nele, há perguntas
como, por exemplo, se foi um “avistamento” ou um “contato imediato”, e o comportamento
do objeto voador, se estava “parado, deslocando, em zigue-zague”.
No entanto, logo depois que
a testemunha registra o avistamento, o documento é despachado para registro sem
nenhuma investigação. De acordo com eles, “o Comando da Aeronáutica informa que
não realiza estudos e análises acerca do tema, apenas cataloga as informações
prestadas por terceiros e as remete, periodicamente, ao Arquivo Nacional”.
Procurada, a Aeronáutica não
respondeu se a falta de investigação de óvnis pode comprometer a segurança
nacional em casos nos quais esses objetos voadores forem, porventura, drones ou
outros veículos irregulares, estrangeiros ou de espionagem. A ufologia é um
campo de investigação de OVINs, que podem ser qualquer objeto não identificado,
e os poucos estudos científicos no mundo sobre o assunto ficam em geral a cargo
de físicos e astrofísicos.
Episódios de aparições de
óvnis
O conjunto de documentos
sobre óvnis foi o sétimo mais acessado, em 2023, no Arquivo Nacional. Entre 1952
e 2019 (último ano com registros enviados pela Aeronáutica), houve 811 óvnis
documentados e disponíveis para consulta. Esses registros são feitos
majoritariamente por pilotos. E menos por pessoas que já têm alguma iniciação
em ufologia.
Um desses documentos é o
relato de um advogado de Santos que, em 1956, contou ter sido abduzido por
seres “altos, claros, louros, de olhos claros e serenos”. Outro é de 1952, o
primeiro avistamento que consta no Arquivo Nacional, por dois jornalistas na
Praia da Barra da Tijuca, no Rio.
“Turismo de conexão”
Outra estrela que consta no
Arquivo Nacional é a coletânea a respeito da “Operação Prato” — o documento
mais buscado pelos interessados por óvnis no Brasil. Em 1977, ocorreu uma onda
de avistamentos em Colares, no Pará, que durou meses, com uma enorme quantidade
de testemunhos diretos. Foi o único episódio declaradamente investigado pelo
governo brasileiro por conta de relatos de natureza agressiva, em que pessoas
teriam sido feridas ou até mortas.
— A comunidade de
investigadores do tema no Brasil é pequena e concentrada nos grandes centros
urbanos. Existe uma carência de ufólogos. Já a comunidade de interessados no
tema é muito grande, e a maior parte deles origina-se em pessoas que tiveram
suas experiências com o fenômeno — afirma Camargo.
Toda essa comunidade de
interessados gerou, inclusive, um turismo próprio de caçadores de óvnis no
Brasil. É uma turma que viaja pelo país em busca de locais em que as pessoas
acreditam haver alguma passagem ou conexão com extraterrestres, afirma Ana Rita
Sabbag, que pesquisou o fenômeno pela Universidade de Brasília (UnB).
— Esse ufoturismo é
incentivado pelas cidades porque gera renda com a visitação de pessoas. E é
muita gente interessada — diz Sabbag.
Com isso, já há um roteiro
sólido de cidades vistas como queridinha dos extraterrestres. Em Aiuruoca (MG)
e Barra do Garças (MT), há “discoportos”, áreas reservadas para o recebimento
de discos voadores; em Peruíbe, no Litoral Paulista, há uma pedra de frente
para o mar que é conhecida como um portal para alienígenas; já Varginha, em MG,
construiu um Memorial do E.T. Todas elas já possuem roteiros estruturados para
os entusiastas.
— De novembro até agora mais
de 20 mil turistas de todo o mundo passaram pelo memorial — afirma a secretária
de Turismo de Varginha, Rosana Carvalho, adiantando que a prefeitura pretende
investir R$ 5 milhões no lugar, de entrada gratuita, para torná-lo mais
interativo.
Quem visita o ambiente de
ferro em formato de espaçonave encontra uma atmosfera de suspense: há fumaça e
sons que parecem de outro mundo. Do lado, o que parece ser um foguete é a caixa
d’água do local. Em junho, o E.T. de Varginha — recentemente tema de um
documentário do diretor americano James Fox e de produção de uma TV japonesa —
foi tombado como patrimônio imaterial da cidade. Agora, a prefeitura quer, além
de promover um congresso internacional de ufologia em janeiro (o dia 20 é
dedicado ao ET na cidade), montar um circuito com cenário reproduzindo a
“visita” do extraterrestre no terreno baldio onde foi visto em 1996 por três
meninas. Elas alegaram ter se deparado com um ser estranho, baixinho e de olhos
vermelhos, que não era similar a nenhum outro animal conhecido.
— O município está
adquirindo o terreno onde foi vista a suposta criatura, processo que deve ser
concluído em dois meses. Esse é o segundo caso da ufologia mais importante do
mundo (o primeiro seria o Caso Roswell, nos EUA, de 1947), e toda vez que tem uma
novidade nessa área, como houve agora com revelações da Nasa, Varginha surfa
ainda mais nos óvnis— diz Rosana Carvalho.
Teorias sobre criatura
E as investigações sobre o
E.T. de Varginha entre ufólogos não cessam. Há os que defendem que grande parte
da verdadeira história foi escondida. Alguns acreditam que um alienígena teria
sido até capturado pelo Exército e enviado aos EUA. Há até quem defenda que ele
foi trocado por tecnologia para uma base militar brasileira.
— Fui em Varginha para
conhecer o local onde as meninas afirmam ter visto a criatura, o zoológico e
também o Memorial do E.T. que foi recém-inaugurado — conta Victor Carvalho, de
32 anos, turista inspirado por UFOs, que já esteve em São Thomé das Letras (MG)
e Conservatória (RJ), por conta da Serra da Beleza, dois locais com muitos
relatos de avistamentos. — Estar presencialmente nesse lugares dá uma percepção
e experiência totalmente diferente de ouvir um podcast ou assistir a um vídeo.
Doutor em Psicologia Social
que pesquisa a transformação do alienígena em figura pop e religiosa, Ricardo
Assarice explica os motivos que fazem o tema “impregnar” tantas pessoas.
Segundo ele, a humanidade se incomoda demais com o desconhecido.
— Nosso cérebro rejeita
isso. Então preenchemos as lacunas do nosso não saber com fantasias. E o
alienígena, como o nome diz, é o forasteiro, o outro. É tudo que está alienado
a mim. E isso desperta curiosidade, medo, especulações. O que já foi o mar,
agora é o cosmos — observa.
Ele também alerta que os
óvnis, apesar de causarem muito alvoroço, são na realidade objetos que não
sabemos do que se tratam, mas que se tende à associação com vida
extraterrestre:
— É um grande salto da
imaginação.